sábado, novembro 20, 2010

Provo que a mais alta expressão de dor... Consiste essencialmente na alegria ... - Augusto dos Anjos

Pensou no que ele estava se transformando pra ela, no que ele parecia querer que ela soubesse, supôs que ele queria ensinar-lhe a viver sem dor apenas.

"... do útero, do coração contraído veio o tremor gigantesco duma forte dor abalada, do corpo todo o abalo ..."

- pois agora mansamente, embora de olhos secos, o coração estava molhado; ela saíra agora da varocidade de viver. Lembrou-se de escrever a ele que passara,

Um corpo é menor que o pensamento..

Quero que isto que é intolerável continue porque quero a eternidade.

Há uma maçonaria do silêncio que consiste em não falar dele e de adorá-lo sem palavras.

Agora pronta, vestida, o mais bonita quanto poderia chegar a sê-lo, vinha novamente a dúvida de ir ou não ao encontro ...

A condição humana dele era maior que a dela que, no entanto, tinha um cotidiano rico. Mas seu descompasso com o mundo chegava a ser cômico de tão grande: não conseguira acertar o passo com as coisas ao seu redor.

Quero esta espera continua como o canto avermelhado das cigarras, pois tudo isso é a morte parada ...

É o perdão súbito, nós que nos alimentávamos com gosto secreto da punição. Agora é a indiferença de um perdão.

Sem a dor , ficara sem nada, perdida no seu próprio mundo e no alheio sem forma de contato.

Enquanto ele próprio dizia de si mesmo que estava em plena aprendizagem, mas tão além dela que ela se transformava em ínfimo corpo vazio e doloroso, apenas isso. E ela ansiava por ele porque exatamente ele parecia ser o limite entre o passado e o que viesse –

Tão difícil de dar e receber que ele talvez se recusasse.

Era um certo medo da própria capacidade , pequena ou grande, talvez por não conhecer seus limites.

A dor fora anquilosada e paralisada dentro de seu peito, como se ela não quisesse mais usa-la como forma de viver.

Nada viera a não ser a parada da vida dos sentimentos.

Não eu não quero ser eu somente, por ter um eu próprio, quero é ligação extrema entre mim e a terra friável e perfumada.

Sua alma inconsumível. Pois ela era o mundo. E no entanto vivia o pouco. Isso constituía uma de suas fontes de humildade e forçada aceitação, e também a enfraquecia diante de qualquer possibilidade de agir.

É claro que tudo isso não era pensado: era vivido, cm uma ou outra rápida passagem de luz de holofote na noite iluminando o céu por um átimo de segundo de pensamento a escuridão.

Ela seria uma mancha difusa de instintos, doçuras e ferocidades, uma trêmula irradiação de paz e luta, como era humanamente, mas seria de forma permanente: porque se o seu mundo não fosse humano ela seria um bicho. Por um instante então desprezava o próprio humano e experimentava a silenciosa alma da vida animal.

Era uma benção estranha como a de ter loura sem ser doida.

Sabia que aquilo era impossível e todas as vezes que pensara que se compreendera era por ter compreendido errado.

Dissera pouco mais ela, pela atenção que lhe dera, parecia ter ouvido além do que ela contara.

E então eu não quis mais nada disso. E parei com a possibilidade de dor, o que nunca se faz impunemente. Apenas parou e nada encontrou além disso. Eu não digo que eu tenha muito, mas tenho ainda a procura intensa e uma esperança violenta.

Nós ainda somos moços, podemos perder algum tempo sem perder a vida inteira.

Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de outros contraditórios.

Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença , sabendo que nossa indiferença é a angustia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa.

Temos sorrido em publico do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos.

E reunia toda sua força para parar a dor. Que dor era? A de existir? A de pertencer a alguma desconhecida? A de ter nascido?

E depois, estancada a dor como se não tivesse sequer havido, exausta, após ter nadado quilômetros no universo vazio, ficara ofegante, jogava-se nas areias brilhantes de um planeta, imóvel, de bruços.

Sou um monte intransponível no meu próprio caminho. Mas as vezes por uma palavra tua ou por uma palavra lida, de repente tudo se esclarece.

Juro que não sei, as vezes me parece que estou perdendo tempo, as vezes me parece que pelo contrario , não há modo mais perfeito, embora inquieto, de usar o tempo: o de te esperar.

Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calma e perdôo logo. Não esqueço nunca.

Sou paciente mas profundamente colérica, como a maioria.

Gosto muito das pessoas por egoísmo.

Nunca esqueço uma ofensa, o que é uma verdade, mas como pode ser verdade, se as ofensas saem de minha cabeça como se nunca tivessem entrado?

Apesar de meu ar duro, sou cheia de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza, essa grandeza que você percebe e de que tem medo.

Meu amor pelo mundo é assim: eu perdôo as pessoas terem um nariz mal feito ou terem lábios finos demais e serem feias -

O melhor modo de despistar é dizer a verdade, embora eu não tenha tentado nenhuma vez despistar você.

Como morrer, antes de dar-se, mesmo em silêncio?

Mas sentia uma pressa por dentro, sentia pressa: havia alguma coisa que ele precisava saber e experimentar, e não estava sabendo e nunca soubera.

E o desespero a tomava. Sabia que ainda não estava pronta para dar-se a ele ...

O que era um Nada era exatamente Tudo.

Porque a angustia era a incapacidade de sentir a dor.

Angustia também era o medo de sentir enfim a dor.

Como é que explicaria a ele, mesmo que quisesse, e não queria, o longo caminho até chegar ali, àquele momento possível. E ele ainda achava pouco. Como explicar que, do longe de onde de dentro de si ela vinha, já era uma vitória estar semivivendo. Porque enfim, uma vez quebrando o susto da nudez diante dele, ela estava respirando de leve, já semivivendo.

Não tenha medo do meu silêncio... Sou uma louca mais guiada dentro de mim por uma espécie de grande sábio ...

Pois ela estava como na sua primeira infância e sem medo de que a angústia sobreviesse: estava em encantamento pelas cores orientais do Sol que desenhava figuras góticas nas sombras.

Mas sabia que era ambiciosa: desprezaria o sucesso fácil e quereria, mesmo com medo, subir cada vez mais alto ou descer cada vez mais baixo.

Vou bem tranqüila. E com cuidado. É melhor não falar, não me dizer. Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio.

E não havia perigo de gastar este sentimento com medo de perde-lo, porque ser era infinito, de um infinito de ondas do mar.

Pela primeira vez na vida, sentiu uma força que mais parecia uma ameaça contra o que ela fora até então.

- Um dia será o mundo com sua impersonalidade soberba versus a minha extrema individualidade de pessoa mas seremos um só.

Então isso era a felicidade. De inicio se sentiu vazia. Depois seus olhos ficaram úmidos: era a felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço da paz estranha e aguda, que já esta começando a me doer como uma angustia, como um grande silencio de espaços? A quem dou minha felicidade, que já começando a me rasgar um pouco e me assusta. Não, não quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não tem coisa desconhecida que é sentir-se feliz e preferem mediocridade. Despediu-se, por que ele era o perigo.

Estava caindo numa tristeza sem dor, não era mau. Fazia parte, com certeza. No dia seguinte provavelmente teria alguma alegria, também sem grandes êxtases, só um pouco de alegria, e isto também não era mau.

Mas era tarde: ela já ansiava por novos êxtases de alegria ou de dor. Tinha era que ter tudo o que o mais humano dos humanos tinha. Mesmo que fosse a dor, ela a suportaria, sem medo novamente de querer morrer. Suportaria tudo. Contanto que lhe dessem tudo.

E tinha agora a responsabilidade de ser ela mesma. Nesse mundo de escolhas, ela parecia ter escolhido.

Ainda era noite, devia ter dormido por alguns minutos apenas. Não se sentia porem, cansada: estava alerta.

Tão feérico como imaginava que deveriam ser os prazeres. Mesmo que não os achasse agora, ela sabia, sua exigência se havia tornado infatigável. Ia perder ou ganhar? Mas continuaria seu corpo-a-corpo com a vida. Nem seria com a sua própria vida, mas com a vida. Alguma coisa se desencadeara nela, enfim.

Mas uma alegria fatal – a alegria é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorra sorrir. Pelo contrario esta muito séria.

Na sua humildade esquecia que ela mesma era fonte de vida e de criação. Então saía pouco, não aceitava convites. Não era mulher de perceber sempre quando um homem estava interessado nela a menos que ele o dissesse.

Então sem entender o que fazia, só o entendeu depois –
Pondo sobre si mesma alguém outro: esse alguém era fantasticamente desinibido, era vaidoso, tinha orgulho de si mesmo. Esse alguém era exatamente o que ela não era.

Pareceu-lhe que as torturas de uma pessoa tímida jamais tinham sido completamente descritas –

Preferiria sofrer de amor do que sentir-se indiferente.

Quem sabe, ela achava que a mascara era um da-se tão importante quanto o dar-se pela dor do rosto.

Era a liberdade horrível de não ser. E a hora da escolha.

Era inútil esconder. A verdade é que não sabia viver.

Teus olhos, são confusos mas tua boca tem a paixão que existe em você e de que você tem medo. Teu rosto, tem um mistério de esfinge: decifra-me ou te devoro.

Viver é tão fora do comum que eu só vivo porque nasci.

Comigo você falara sua alma toda, mesmo em silêncio. E nós não nos esgotaremos porque a alma é infinita. E além disso temos dois corpos que nos será um prazer alegre, mudo, profundo.

Faço poesia não porque seja poeta mas para exercitar minha alma, é o exercício mais profundo do homem.

Nós, os que escrevemos, temos na palavra humana, escrita ou falada, grande mistério que não quero desvendar com o meu raciocínio que é frio.

Quem escreve ou pinta ou ensina ou dança ou faz cálculos em termos de matemática, faz milagre todos os dias. É uma grande aventura e exige muita coragem e devoção e muita humildade. Meu forte não é a humildade em viver. Mas ao escrever fatalmente humilde… embora com limites. Pois do dia em que eu perder dentro de mim a minha própria importância – tudo estará perdido.

Família? Não me dou com eles. Tentaram me marcar ma sempre foram gente de segundo plano na minha vida.

Quando você aprender vai ver o tempo que perdeu. A tragédia de viver existe sim e nós a sentimos, mas isso não impede que tenhamos uma profunda aproximação da alegria com essa mesma vida.

Mas já existem demais os que estão cansados. Minha alegria é áspera e eficaz, e não se compraz em si mesma, é revolucionaria. Todas as pessoas poderiam ter essa alegria mas estão ocupadas demais em ser cordeiros de deuses.

O olhar dela tornara-se sonhador, abstrato, um pouco vazio.

Você está se acordando pela curiosidade, aquela que empurra pelos caminhos da vida real.

Lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria.

As pequenas violências nos salvam das grandes.

Preferia a luz fresca e tímida que precedia o dia ou a quase penumbra luminosa que precede a noite.

Pensou ela, sentir a grande ânsia de viver mais profundamente que esse cheiro provocava nela.

Não havia aprendizagem de coisa nova: era só a redescoberta.

Ele olhou-a com admiração: ela estava extravagante e bela.

Quando ela pensou que, além do frio, chovia como que no mundo inteiro, não pode acreditar que tanto de bom lhe fosse dado. Era o acordo da terra com aquilo que ela nunca soubera que precisava com tanta fome de alma.

Sabia que podia toma-la, que ele não se recusaria; mais não a tomava, pois queria que as coisas acontecessem não que as provocasse.

Umas duas ou três vezes e depois não queria voltar. Porque nela a busca do prazer, nas vezes que tentara, lhe tinha sido água ruim: colocava a boca e sentia a bica enferrujada, era a água seca. Não havia ela pensado, antes o sofrimento legitimo que o prazer forçado.

Não, ela não se referia ao fogo, referia-se ao que sentia. O que sentia nunca durava, acabava e podia nunca mais voltar. Encarniçou-se então sobre o momento, comia-lhe o fogo inteiro, e o fogo externo ardia doce, ardia, flamejava.

Porque no impossível é que esta a realidade.

E a idéia de tomar iniciativa, a resposta lhe vinha áspera: jamais.

Porque ele a abandonara? Seria para sempre? Ou quebrava o voto de castidade que ele próprio se impingira para esperar por ela?

Como se cortasse de uma vez para outra o vinculo? E ambos ficassem em liberdade, um do outro? Ela sabia que ela própria é quem cortava vínculos a vida inteira , e talvez alguma coisa nela sugerisse aos outros a palavra “adeus”. “abandonar-me logo quando eu estava ...” não concluía o pensamento numa frase porque não sabia ao certo em que “já estava”.

E não conseguia readormecer porque o desejo de ser possuída por ele vinha forte demais.

Sabia que se de algum modo lhe manifestasse que já o desejava forte demais, ele reconheceria que era simples desejo e recusaria.

Pois com os amantes que tivera ela como que apenas emprestava o seu corpo a si própria para o prazer, era só isso, e mais nada.

Conheci uma mulher simples que não se fazia perguntas sobre Deus: ela amava além da pergunta sobre Deus. Então Deus existia.

Foi então que entrou numa fase – seria fase ou para sempre? – em que regrediu como se tivesse perdido tudo o que ganhara?

Aprendi a viver com o que não se entende,

E o perfume parecia mata-la lentamente. Lutava contra pois sentia que o perfume era mais forte do que ela, e que poderia de algum modo morrer dele. Agora é que ela novata tudo isso. Era uma iniciada no mundo.

Em outras, terá que saber e sentir a dois. Mas eu espero. Espero que você tenha a coragem de ser autodidata apesar dos perigos, e espero também que você queira ser dois em um. Sua boca, como eu já lhe disse, é de paixão. É através da boca que você passará a comer o mundo, e então a escuridão de teus olhos não vai se aclarar mais vai iridescer.

Ocorreu-lhe então que ele tivesse desaparecido para que ela aprendesse sozinha. Mas o que acontecera é que ela ainda estava tão frágil no mundo que quase desmoronou e quase voltou a estaca zero. E ver que podia perder tudo o que já ganhara, encheu-a de uma ira de possesso contra o Deus.

E estava conhecendo o inferno da paixão pelo mundo.

O que era aquilo tão violento que a fazia pedir clemência a si mesma? Era a vontade de destruir, como se para destruir tivesse nascido. E o momento de destruição viria ou não, a escolha dependia dela poder ou não se ouvir a si própria.

Alivia minha alma, faze com que eu sinta que tua mão está dada a minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar não é morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte e sim a vida, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu receba o mundo sem medo, pois para esse mundo incompreensível nós fomos criados e nós mesmos também incompreensíveis, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade e paciência comigo mesma, amém.

Que é que eu faço, é de noite e eu estou viva. Estar viva está me matando aos poucos, e eu estou toda alerta no escuro.

Sem se olhar ao espelho, era um sorriso que tinha a idiotice dos anjos.

E tudo era muito para um coração de repente enfraquecido que só suportava o menos, só podia querer o pouco aos poucos.

E desejava a vida mais cheia de um fruto enorme.

Pois quando se demorava demais nela e procurava se apoderar de sua levíssima vastidão, lagrimas de cansaço lhe vinham aos olhos: era fraca diante da beleza do que existia e do que ia existir.

Mais ia esperar. Ia esperar comendo com delicadeza e recato e avidez controlada cada mínima migalha de tudo, queria tudo pois nada era bom demais para a sua morte que era a sua vida tão eterna que hoje mesmo ela já existia e já era.

Na busca viajava dentro de si bem longe. E então veio finalmente o dia em que ela soube que não era mais solitária, tinha encontrado o seu destino de mulher.

Pois ela, apesar do desejo, não queria apressar nada e também se mantinha casta.

Baixa e longínqua
É a voz que ouço. De onde vem,
Fraca e vaga?
Aprisiona-me nas palavras,
Custa-me entender
As coisas pelas quais perguntava
Não sei e não sei
Como responder-lhe-ei.

Só o vento sabe,
Só o sol sábio conhece.
Pássaros pensativos,
O amor é belo,
Me insinuam algo.
E o mais
Só o vento sabe,
Só o sol conhece.

Por que, ao longe, erguem-se as rochas,
Por que vem o amor?
As pessoas são indiferentes,
Por que tudo lhes sai bem?
Por que eu não posso mudar o mundo?
Por que não sei beijar?
Não sei e não sei
Talvez um dia eu compreenda.

Só o vento sabe,
Só o sol sábio conhece.
Pássaros pensativos,
O amor é belo,
Me insinuam algo.
E o mais
Só o vento sabe,
Só o sol conhece
Nunca, até então, tivera a sensação de calma absoluta. Estava sentindo agora uma clareza tão grande que a anulava como pessoa atual e comum: era uma lucidez vazia, assim como um cálculo matemático perfeito do qual não se precisasse. Estava vendo claramente o vazio.

De algum modo já aprendera que cada dia nunca era comum, era sempre extraordinário. E que a ela cabia sofrer o dia ou ter prazer nele. Ela queria o prazer extraordinário que era tão simples de encontrar nas coisas comuns: não era necessário que a coisa fosse extraordinária para nela se sentisse o extraordinário.

Durante dias parecia meditar profundamente mas não meditava em nada: só sentia o leve prazer, inclusive físico, de bem-estar.

Sentia as vezes uma saudade tão grande que era como uma fome.

Feliz em poder sentir.

Mas o prazer nascendo doía tanto no peito que as vezes preferia sentir a habituada dor ao insólito prazer. A alegria verdadeira não tinha explicação possível, não tinha sequer a possibilidade de ser compreendida –

Mas ela sabia que ainda não estava a altura de usufruir de um homem.

Pois o prazer não era de se brincar com ele. O prazer era nós.

E nela o prazer, por falta de pratica, estava no limitar da angustia. Seu peito se contraiu, a força desmoronou: era a angustia sim. E, se ela não fizesse nada contra, sentia que seria a pior de suas angustias.

Não se se você pretende ainda me ver um dia ...

Talvez essa fosse uma das experiências humanas e animais mais importantes: a de pedir mudamente socorro e mudamente este socorro ser dado.

Se sentia como se fosse um tigre perigoso com uma flecha cravada na carne, e que estivesse rondando devagar as pessoas medrosas para descobrir quem lhe tiraria a dor. E então um homem, tivesse sentido que um tigre ferido não é perigoso. E aproximando-se da fera, sem medo de toca-la, tivesse arrancado com cuidado a flecha fincada.

Como não era a palavra ou o grunhido o que tinha importância, afastara-se silenciosamente.

Ela estava procurando sair da dor, como se procurasse sair de uma realidade outra que durara sua vida até então.

Bem sabia, experimentaria enfim em pleno a dor do mundo. E a sua própria dor de criatura mortal, a dor que aprendera a não sentir. Mas também seria por vezes tomada de um êxtase de prazer puro e legitimo que ela mal podia adivinhar.

Ser-se o que se á, era grande demais e incontrolável. Tinha uma espécie de receio de ir longe demais. Sempre se retinha um pouco como se retivesse as rédeas de um cavalo que poderia galopar e leva-la. Ela se guardava. Porque e para que? Pra o que estava ela se poupando? Era um certo medo de sua capacidade, pequena ou grande. Talvez se contivesse por medo de não saber os limites de uma pessoa.

Só sabia que já começara uma coisa nova e nunca mais poderia voltar a sua dimensão antiga.

E sabia que devia abandonar para sempre a estrada principal. E entrar pelo seu verdadeiro caminho que eram os atalhos estreitos.

Falhara. Seu coração bateu mais forte ainda porque sentiu que não ia desistir.

Mais há muitas coisas, que você ainda desconhece. E há um ponto em que o desespero é uma luz e um amor.

Ter uma vida só era tão pouco!

O amor por ele veio como uma onde que ela tivesse podido controlar até então. Mais de repente ela não queria mais controlar.

E quando notou que aceitava em pleno o amor, sua alegria foi tão grande que o coração batia por todo o corpo, parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas de sua pessoa.

Como prolongar o nascimento pela vida inteira? Foi depressa ao espelho para saber quem era, e para saber se podia ser amada. Mas assustou-se ao se ver.

Eu existo, estou vendo, mais quem sou eu? E ela teve medo.

Um pouco de mim eu sei: sou aquela que tem a própria vida e também a tua, eu bebo a tua vida. Mais isso não responde quem sou eu!

Não se faça de tão forte perguntando a pior pergunta.

Fazer uma lista de coisas que podia fazer!

Sentou-se diante do papel vazio e escreveu: comer – olhas as frutas - ver cara de gente – ter amor – ter ódio – ter o que não se sabe e sentir um sofrimento intolerável - esperar o amado com impaciência – entrar no mar – fazer café – irritação – ter razão – ouvir musica – mãos dadas – não ter razão e sucumbir ao outro que reivindica – ser perdoada da vaidade de viver – ser mulher – dignificar-se – rir do absurdo de minha condição – não ter escolha - ter escolha – adormecer – mas de amor de corpo não falarei.

Ma sabia o numero indefinido de coisas que podia fazer.

Não se tratava de uma inspiração, que era uma graça especial que tantas vezes acontecia aos que lidavam com arte.

Era uma lucidez de quem não adivinha mais: sem esforço, sabe. Apenas isto: sabe. Que não lhe perguntassem o que, pois só poderia responder do mesmo modo infantil. Sem esforço, sabe-se.

Esta energia é a maior verdade do mundo e é impalpável.

Mas era inútil desejar: só vinha espontaneamente.

E habituar-se a felicidade, seria um perigo social. Ficaríamos mais egoístas, porque as pessoas felizes eram, menos sensíveis a dor humana, não sentiríamos a necessidade de procurar ajudar os que precisam – tudo por termos na graça a compreensão e o resumo da vida.

Seria como cair num vicio, iria atraí-la como um vicio, ela se tornaria contemplativa como os tomadores de ópio.

E isto representaria uma fuga imperdoável ao destino humano, que era feito de luta e sofrimento e perplexidade e alegrias.

Havia experimentado alguma coisa que parecia redimir a condição humana, embora ao mesmo tempo ficassem acentuados os estreitos limites dessa condição. E exatamente porque depois da graça a condição humana se revela na sua pobreza implorante, aprendia-se a amar mais, e esperar mais. Passava-se a ter uma espécie de confiança no sofrimento e em seus caminhos tantas vezes intoleráveis .

Por que eu voluntariamente me afastara das pessoas? Agora posso falar. É porque não quero ser platônica em relação a mim mesma. Sou profundamente derrotada pelo mundo em que vivo. Separei-me só por uns tempos por causa da minha derrota e por sentir que os outros também eram derrotados. Então fechei-me numa individualização que se eu não tomasse cuidado poderia se transformar em solidão histérica ou contemplativa.

Você esta pronta, agora quero o que você é, e você quer o que eu sou. E toda essa troca será feita na cama.

Queria que você, sem uma palavra, apenas viesse,.

Era uma liberdade que ele lhe oferecia. No entanto ela preferiria que ele mandasse nela, que marcasse dia e hora. Mas sentiu que era inútil tentar faze-lo mudar de idéia.

Achava agora que a capacidade de sofrer era a medida de grandeza de uma pessoa e salvava a vida interior dessa pessoa.

Além do que estava plena e não precisava de ninguém, bastava-lhe saber que ele a amava e que ela o amava. Fora o fato de estar coberta de amor novo pelas coisas e pelas pessoas.

Então ela viu uma rua que nunca mais iria esquecer. Nem sequer pretendia descreve-la: aquela rua era sua. Só podia dizer que estava vazia e eram dez horas da noite.
Ver e esquecer, para não ser fulminada pelo intolerável saber.

O que lhe veio foi a levemente assustadora certeza de que os nossos sentimentos e pensamentos são tão sobrenaturais como uma historia passada depois da morte. E ela não compreendeu o que queria dizer com isso. Ela o deixou ficar, ao pensamento, porque sabia que ele encobria outro, mais profundo e mais compreensível.

Teria de agora em diante, que fazer o seu motivo e tema.

Atenta a fome de existir, e atenta a própria atenção, parecia estar comendo delicadamente viva o que era muito seu. A fome de viver, meu Deus. Até que ponto ela ia na miséria da necessidade: trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade enquanto estava viva.

E não chovia, não chovia. Mas a hora mais procurada precedeu aquela coisa que ela não queria sequer tentar definir. Esta coisa uma luz dentro dela, e a essa chamariam de alegria, alegria mansa.

Ficou um pouco desnorteada como se um coração lhe tivesse sido tirado, e em lugar dele estivesse agora a súbita ausência, uma ausência quase palpável, do que era antes um órgão banhado pela escuridão da dor.

Soube que estava procurando na chuva uma alegria tão grande que se tornasse aguda, e que a pusesse em contato com uma agudez que se parecia com a agudez da dor. Mais fora inútil a procura.

Ela e a chuva estavam ocupadas em fluir com violência .

Nem sequer agradecendo ao Deus ou a natureza. A chuva também não agradecia nada. Sem gratidão ou ingratidão, era uma mulher, era uma pessoa, era uma atenção, era um corpo habituado olhando a chuva grossa cair. Assim como a chuva não era grata por não ser dura como uma pedra: era uma chuva. Talvez fosse isso, porem exatamente isso: viva.

E de súbito, mas sem sobressalto, sentiu a vontade extrema de dar essa noite tão secreta a alguém. E esse alguém era ele. Seu coração começou a bater forte, e ela se sentiu pálida pois todo o sangue, sentiu, descera-lhe do rosto, tudo porque sentiu tão repentinamente o desejo dele e o seu próprio desejo.

Notava que estava abrindo as mãos e o coração mas que se podia fazer isso em perigo! Eu não estou perdendo nada! Estou enfim me dando e o que me acontece quando eu estou me dando é que eu recebo, recebo. Cuidado, há perigo do coração estar livre?

No entanto vinha uma segurança estranha também: vinha da certeza súbita de que sempre teria o que gastar e dar. Não havia pois mais avareza com seu vazio-pleno que era a sua alma, e gasta-lo em nome de um homem e de uma mulher.

E obrigava ela, uma menina, a arcar com o peso da responsabilidade de saber que os nossos prazer mais ingênuos e mais animais também morriam.

Eles pareciam saber que quando o amor era grande demais e quando um não podia viver sem o outro, esse amor não era mais aplicável: nem a pessoa amada tinha a capacidade de receber tanto.

Como é que você se dava com o sexo?
Era a única coisa, disse ela, em que eu dava certo.

E como não bastava, já que tinham esperado tanto tempo, quase em seguida eles se possuíram realmente, dessa vez com a alegria austera e silenciosa. Ela se sentiu perdendo todo o peso do corpo como uma figura de chagall.

Então ela, em voz baixa para não desperta-lo de todo, disse pela primeira vez na sua vida:
É porque te amo.

Escute você ainda vai me querer?

Nunca havia pensado que o que eu iria atingir era a santidade do corpo.

Embora sem vê-lo, reconheceu pela sua respiração pausada que ele dormia. Ficou de olhos abertos no escuro e cada vez mais escuro se revelava a ela como um denso prazer compacto, quase irreconhecível como prazer, se fosse comparado com o que tivera com ele.

Ela era antes uma mulher que procurava modo, uma forma. E agora tinha o que na verdade era tão mais perfeito: era a grande liberdade de não ter modos nem formas.
Não se enganava a si mesma: era possível que aqueles momentos perfeitos passassem? Deixando-a no meio de um caminho desconhecido? Mas ela poderia sempre reter nas mãos um pouco do que agora conhecia, e então seria mais fácil viver não vivendo, mal vivendo. Mesmo que nunca mais fosse sentir a grave e suave força de existir e amar, como agora, daí em diante ela já sabia pelo que esperar, esperar a vida inteira se necessário, e se necessário jamais ter de novo o que esperava.

Mas, para a sua alegria inesperada, percebeu que o amaria sempre. Depois que ele fora dela, ser humana parecia-lhe agora a mais acertada forma de ser um animal vivo. E através do grande amor por ele., ela entendeu enfim a espécie de beleza que tinha. Era uma beleza que nada e ninguém poderia alcançar para tomar, de tão lata, grande, funda e escura que era.

Meu amor, disse ela.
Sim?
(Tudo me parece um sonho. Mas não é, disse ele, a realidade é que é inacreditável.)

Ele estava perdido num mar de alegria e de ameaça de dor.

Mais ele queria a vida nova perigosa.

Não esquecendo os momentos baixos, pois que a natureza é cíclica, é ritmo, é como um coração pulsando. Existir é tão completamente fora do comum que se a consciência de existir demorasse mais de alguns segundos, nós enlouqueceríamos. A solução para esse absurdo que se chama “eu existo” , a solução é amar um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.

Meu amor, você me seduziu diabolicamente. Sem tristeza nem arrependimento, eu sinto como se tivesse mordido a polpa do fruto que eu pensava ser proibido. Você me transformou na mulher que sou.

Mulher nunca é pornográfica. Eu não saberia ser, apesar de nunca ter estado tão intimamente com ninguém. Você entende?

Mas não gosto de falar tudo. Saiba também calar-se para não se perder em palavras.

O que eu queria saber é se sou a seus olhos, a infeliz heroína que se despe. Estou nua de corpo e alma, mas quero a escuridão que me agasalha e me cobre ...

Escrever sem estilo é o máximo que, quem escreve, chega a desejar.

Será o mundo com sua impersonalidade soberba vesus minha individualidade como pessoa mas seremos um só. Você terá que ficar sozinha muitas vezes.
- não me incomodo, sou hoje outra mulher. E um minuto de segurança de teu amor renderá comigo semanas.

Eu vou estar tão ocupado que talvez o jeito seja casarmos para estarmos juntos. – talvez seja melhor. Talvez o melhor seja –

Se você soubesse como é excitante eu te imitar.

Você acha que eu ofendo a minha estrutura social com a minha enorme liberdade?
- claro que sim, felizmente. Porque você acaba de sair da prisão como ser livre, e isso ninguém perdoa. O sexo e o amor não te são proibidos. Você enfim aprendeu a existir. E isso provoca o desencadeamento de muitas outras liberdades, que é um risco para a tua sociedade. Até a liberdade de se ser bom assusta os outros.

Ficaram em silencio tão prolongado que por um instante, no momento de maior escuridão que precede a aurora, ela não soube onde se achava.

Amor será dar de presente um ao outro a própria solidão? Pois é a coisa mais ultima que se pode dar de si.

Ela havia atingido o impossível de si mesma.

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